|
DIRETRIZES DOUTRINÁRIAS
O LIVRO DOS ESPÍRITOS
CAP. XII - DA PERFEIÇÃO MORAL
1. As virtudes e os vícios. -
2. Paixões. - 3. O egoísmo. - 4. Caracteres do homem de bem.
- 5. Conhecimento de si mesmo.
As virtudes e os vícios
893. Qual a
mais meritória de todas as virtudes?
Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam
progresso na senda do bem. Há virtudes sempre que há
resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A
sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do
interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensamento
oculto. A mais meritória é a que assenta na mais
desinteressada caridade.
894. Há
pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem
vencer quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão
tanto mérito, quanto as que se vêem na contingência de lutar
contra a natureza que lhes é própria e a vencem?
Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso
realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é
que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas
ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um
hábito. Devidas lhes são as honras que se costumam tributar
a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.
Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos
espantam pelo contraste com o que tendes à vista e tanto
mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo,
porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso,
constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em
todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é
espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá,
uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por
que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra,
quando a Humanidade se houver transformado, quando
compreender e praticar a caridade na sua verdadeira
acepção.
895. Postos
de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se
pode equivocar, qual o sinal mais característico da
imperfeição?
O interesse pessoal. Freqüentemente, as qualidades morais
são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à
pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que
levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas
qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre
suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda
do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O
verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que,
quando se patenteia todos o admiram como se fora um
fenômeno.
O apego às coisas materiais constitui sinal notório de
inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste
mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo
desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto
mais elevado o futuro.
896. Há
pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que
prodigalizam seus haveres sem utilidade real, por lhes não
saberem dar emprego criterioso. Têm algum merecimento essas
pessoas?
Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam
fazer. O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade
irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A
riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada
num cofre forte, também não o é a outros para ser dispersada
ao vento. Representa um depósito de que uns e outros terão
de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem
que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que
podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele
não precisavam.
897. Merecerá
reprovação aquele que faz o bem, sem visar a qualquer
recompensa na Terra, mas esperando que lhe seja levado em
conta na outra vida e que lá venha a ser melhor a sua
situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?
O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com
desinteresse.
a) - Contudo,
todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para
forrar-se à penosa condição desta vida. Os próprios
Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse objetivo.
Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos
esperar coisa melhor do que temos na Terra?
Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem idéia
preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao
seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de
progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito
mais depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz o bem
por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu
coração. (894)
b) - Não
haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que
podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em
corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco
meritório fazermos o bem com a idéia de que nos seja levado
em conta na outra vida; mas será igualmente indício de
inferioridade emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões,
corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos
aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?
Não, não. Quando dizemos - fazer o bem, queremos significar
- ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula
o que lhe possa cada uma de suas boas ações render na vida
futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém,
há em querer o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus,
pois que é o fim para o qual devem todos tender.
898. Sendo a
vida corpórea apenas uma estada temporária neste mundo e
devendo o futuro constituir objeto da nossa principal
preocupação, será útil nos esforcemos por adquirir
conhecimentos científicos que só digam respeito às coisas e
às necessidades materiais?
Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de
auxiliar os vossos irmãos; depois, o vosso Espírito subirá
mais depressa, se já houver progredido em
inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis
numa hora o que na Terra vos exigiria anos de aprendizado.
Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos contribuem
para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem
que saber tudo, e porque, cumprindo que o progresso se
efetue em todos os sentidos, todas as idéias adquiridas
ajudam o desenvolvimento do Espírito.
899. Qual o
mais culpado de dois homens ricos que empregam
exclusivamente em gozos pessoais suas riquezas, tendo um
nascido na opulência e desconhecido sempre a necessidade,
devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui?
Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o que é
sofrer. A dor, a que nenhum alívio procura dar, ele a
conhece; porém, como freqüentemente sucede, já dela se não
lembra.
900. Aquele
que incessantemente acumula haveres, sem fazer o bem a quem
quer que seja, achará desculpa, que valha, na circunstância
de acumular com o fito de maior soma legar aos seus
herdeiros?
É um compromisso com a consciência má.
901.
Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o
necessário e morre de miséria sobre o seu tesouro, ao passo
que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo
para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro
sacrifício para prestar um serviço ou fazer qualquer coisa
útil, nunca julga demasiado o que dependa para satisfazer
aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio
e estará sempre em dificuldade para fazê-lo; imagine, porém,
realizar uma fantasia e terá sempre o bastante para isso.
Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação
no mundo dos Espíritos?
O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro
já recebeu parte do seu castigo.
902. Será
reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o
desejo de fazer o bem?
Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro.
Mas, será sempre bastante desinteressado esse desejo? Não
ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de fazer
o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em
quem tal desejo se manifesta?
903. Incorre
em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?
Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e
divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer,
para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá
ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer
que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das
virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as
imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o
mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos
defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de
vos tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser
avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes e
modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com
pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa
palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar
estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu
vizinho e não vê a trave no seu próprio.
904.
Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da sociedade e
as expõe em público?
Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa
produzir escândalo, não faz mais do que proporcionar a si
mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros que constituem
antes mau do que bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas
pode vir a ser punido por essa espécie de prazer que
encontra em revelar o mal.
a) - Como, em
tal caso, julgar da pureza das intenções e da sinceridade do
escritor?
Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas coisas,
aproveitai-as. Se proceder mal, é uma questão de consciência
que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais, se o escritor
tem empenho em provar a sua sinceridade, apóie o que disser
nos exemplos que dê.
905. Alguns
autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que
auxiliam o progresso da Humanidade, das quais, porém, nenhum
proveito tiraram eles. Ser-lhes-á levado em conta, como
Espíritos, o bem a que suas obras hajam dado lugar?
A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o
trabalho. De que vos serve a semente, se não a fazeis dar
frutos que vos alimentem? Grave é a culpa desses homens,
porque dispunham de inteligência para compreender. Não
praticando as máximas que ofereciam aos outros, renunciaram
a colher-lhes os frutos.
906. Será
passível de censura o homem, por ter consciência do bem que
faz e por confessá-lo a si mesmo?
Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do bem
igualmente deve tê-la, a fim de saber se andou bem ou mal.
Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus e,
sobretudo, na lei de justiça, amor e caridade, é que poderá
dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más, que as
poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode, portanto,
censurar que reconheça haver triunfado dos maus pendores e
que se sinta satisfeito, desde que de tal não se envaideça,
porque então cairia noutra falta. (919)
Paixões
907. Será
substancialmente mau o princípio originário das paixões,
embora esteja na Natureza?
Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade,
visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem
para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização
de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o
mal.
908. Como se
poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser
boas para se tornarem más?
As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando
governado e que se torna perigoso desde que passe a
governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento
em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um
prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem.
As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e
o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. Mas,
se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o
homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas
suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o
esmaga.
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa
necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim,
um mal, pois que assenta numa das condições providenciais da
nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração
de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e
não na causa e este excesso se torna um mal, quando tem como
conseqüência um mal qualquer. Toda paixão que aproxima o
homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal
denota predominância do espírito sobre a matéria e o
aproxima da perfeição.
909. Poderia
sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más
inclinações?
Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito
insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão
poucos dentre vós fazem esforços!
910. Pode o
homem achar nos Espíritos eficaz assistência para triunfar
de suas paixões?
Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os
bons Espíritos lhe virão certamente em auxílio, porquanto é
essa a missão deles. (459)
911. Não
haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja
impotente para dominá-las?
Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes
está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que
não seja como querem. Quando o homem crê que não pode
vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas,
em conseqüência da sua inferioridade. Compreende a sua
natureza espiritual aquele que as procura reprimir.
Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a
matéria.
912. Qual o
meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza
corpórea?
Praticar a abnegação.
O egoísmo
913. Dentre
os vícios, qual o que se pode considerar radical?
Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal.
Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos há
egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis a
extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz,
enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois,
todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está
a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser, desde esta
vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o
seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o
egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele
neutraliza todas as outras qualidades.
914.
Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal,
bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração
humano. Chegar-se-á a consegui-lo?
À medida que os homens se instruem acerca das coisas
espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois,
necessário é que se reformem as instituições humanas que o
entretêm e excitam. Isso depende da educação.
915. Por ser
inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre
um obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra?
É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal, porém ele
se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra
e não à Humanidade mesma. Ora, depurando-se por encarnações
sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de
suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem
isento de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais
homens assim do que supondes. Apenas, não os conheceis,
porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que
haja um, por que não haverá dez? Havendo dez, por que não
haverá mil e assim por diante?
916. Longe de
diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que, até,
parece, o excita e mantém. Como poderá a causa destruir o
efeito?
Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso
que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível
se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se
houverem despojado do egoísmo que os domina, viverão como
irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se
reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da
solidariedade. Então, o forte será o amparo e não o opressor
do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o
indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça.
Esse o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de
preparar. (784)
917. Qual o
meio de destruir-se o egoísmo?
De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais
difícil de desenraizar-se porque deriva da influência da
matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de
sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento
tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua
educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida
moral for predominante sobre a vida material e, sobretudo,
com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso
estado futuro, real e não desfigurado por ficções
alegóricas. Quando, bem compreendido, se houver identificado
com os costumes e as crenças, o Espiritismo transformará os
hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta na
importância da personalidade. Ora, o Espiritismo, bem
compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o
sentimento da personalidade desaparece, de certo modo,
diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo
menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele
necessariamente combate o egoísmo.
O choque, que o homem experimenta, do egoísmo os outros é o
que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de
colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si
próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais
do que com os outros. Sirva de base às instituições sociais,
às relações legais de povo a povo e de homem a homem o
princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará
menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensam.
Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e
do contacto. Em face do atual extravasamento de egoísmo,
grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém
renuncie à sua personalidade em proveito dos outros, que, de
ordinário, absolutamente lhe não agradecem. Principalmente
para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se
acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a
felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia
da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em
que se há de ver, todoaquele que em si somente houver
pensado. (785)
FÉNELON.
Louváveis
esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a
Humanidade progrida. Os bons sentimentos são animados,
estimulados e honrados mais do que em qualquer outra época.
Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga
social. É um mal real, que se alastra por todo o mundo e do
qual cada homem é mais ou menos vítima. Cumpre, pois,
combatê-lo, como se combate uma enfermidade epidêmica. Para
isso, deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem
do mal. Procurem-se em todas as partes do organismo social,
da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as
causas, todas as influências que, ostensiva ou ocultamente,
excitam, alimentam e desenvolvem o sentimento do egoísmo.
Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo.
Só restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só
vez, ao menos parcialmente, e o veneno pouco a pouco será
eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as
causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o
mal for atacado em sua raiz, isto é, pela educação, não por
essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela
que tende a fazer homens de bem. A educação,
convenientemente entendida, constitui a chave do progresso
moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres,
como se conhece a de manejar as inteligências,
conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam
plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita
experiência e profunda observação. É grave erro pensar-se
que, para exercê-la com proveito baste o conhecimento da
Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do
pobre, desde o instante do nascimento, o observar todas as
influências perniciosas que sobre eles atuam, em
conseqüência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que
os dirigem, observando igualmente com quanta freqüência
falham os meios empregados para moralizá-los, não poderá
espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices.
Faça-se com o moral o que se faz com a inteligência e
ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do
que se julga é o número das que apenas reclamam boa cultura,
para produzir bons frutos. (872)
O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá
origem a esse desejo. Por isso é que trabalha
incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que
pesquisa as causas de seus males, para remediá-los. Quando
compreender bem que no egoísmo reside uma dessas causas, a
que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio,
o ciúme, que a cada momento o magoam, a que perturba todas
as relações sociais, provoca as dissensões, aniquila a
confiança, a que o obriga a se manter constantemente na
defensiva contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz
inimigo, ele compreenderá também que esse vício é
incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo
acrescentar, com a sua própria segurança. E quanto mais haja
sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a necessidade
de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos
e todos os outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o
induzirá. (784)
O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade o é
de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, tal
deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se quiser
assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no
futuro.
Caracteres do homem de bem
918. Por que
indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que
lhe elevará o Espírito na hierarquia espírita?
O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de
sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e
quando antecipadamente compreende a vida
espiritual.
Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de
justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar
a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará
se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o
bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar,
enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.
Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz
o bem pelo bem, sem contar com qualquer retribuição, e
sacrifica seus interesses à justiça. É bondoso, humanitário
e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os
homens, sem distinção de raças, nem de crenças. Se Deus lhe
outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM
DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se
envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas
pode retirar. Se sob a sua dependência a ordem social
colocou outros homens, trata-os com bondade e complacência,
porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade
para lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu
orgulho. É indulgente para com as fraquezas alheias, porque
sabe que também precisa da indulgência dos outros e se
lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra
aquele que estiver sem pecado. Não é vingativo. A exemplo de
Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios,
pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado
lhe será. Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os
direitos que as leis da Natureza lhes concedem, como quer
que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.
Conhecimento de si mesmo
919. Qual o
meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar
nesta vida e de resistir à atração do mal?
Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti
mesmo.
a) -
Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a
dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si
mesmo. Qual o meio de consegui-lo?
Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia,
interrogava a minha consciência, passava revista ao que
fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum
dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi
assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim
precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse
todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de
si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e
ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força
adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o
assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas,
interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo
procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes
alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se
obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai
ainda mais: Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento,
teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no
mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?
Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois
contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As
respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência,
ou a indicação de um mal que precise ser curado.
O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do
progresso individual. Mas, direis, como há de alguém
julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio
para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento
se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos
julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas
tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos.
Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas
ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra
pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por
legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de
duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também
saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não
desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses
nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas
vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que
sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um
amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele
que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim
de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim
arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para,
a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros
e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que
a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá
dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra
vida.
Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e
precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem
alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não
trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que
vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso
o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz
suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é
esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas
enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o
homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns
esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente
e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos
encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos
fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar
nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro
chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de
ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que
cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este
objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.
SANTO
AGOSTINHO.
Muitas faltas
que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente,
seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais
amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos
sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a
natureza e o móvel dos nossos atos. A forma interrogativa
tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que
muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige
respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem
lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos
argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas,
poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em
nós.
Para contato
com a Equipe Espiritismo.net, acesse:
www.espiritismo.net/familia.